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Nós vamos torturar vocês um beijo na boca por vez

Tá triste de ver, tá feio de viver, tá tenso de acompanhar. Mas (e esse é um “mas” em maiúsculas) o que estamos assistindo é o último estrebucho de um sistema de poder que está morrendo. Os macho-alfa que pagam flexões em bandejões, que querem andar com armas em seus cinturões, que se sentem livres para fazer chacota com a estética de uma mulher, a despeito de serem todos homens imperialmente grotescos, tentam provar que o mundo ainda é de deles, mas o que te resta é o berro, o porrete e as instituições. Só que a ostentação de força de vocês já não mete medo. O sistema de opressão que vocês levaram séculos erguendo foi hackeado. O Brasil pós-cotas, o Brasil em que a filha do pedreiro e da doméstica é advogada, em que o filho do motorista de ônibus e da caixa de supermercado é médico, em que a filha do estivador é filósofa, em que Maria virou João e em que João virou Maria, esse Brasil que vocês tanto evitaram e temem vai ocupar todos os espaços. 

É o Brasil das Djamilas, das Amaras, dos Jones, das Elianes, das Joyces, das Domenicas, das Linns, das Suelis, dos Túlios, das Moniques, das Stephanies, das Gabriellys, das Natalis, das Egnaldas, das Gabis. Um Brasil que se sabe potente, que se sabe decente, que se sabe docente. Um Brasil que não abaixa a cabeça, que não fala mais “sim, senhor” e “não, senhora”, que responde, que produz conhecimento, que bate cu, que faz rap nas ruas do Rio, nas comunidades, nas periferias. Um Brasil feminista, comunitário, revolucionário.

Não tem volta, seus machos covardes que se escondem de debates, que se cagam em confrontos, que mandam recolher livros, que têm pânico das nossas formas diferentes de vida e de como somos capazes de circular afetos que vão muito além do medo. Não tem volta seus pelegos de sapatênis e cachmere nas costas, seus semi-analfabetos em ternos de alfaiataria, seus miseráveis em toga, seus sociopatas de merda.

O Brasil que vocês tanto exploraram, o Brasil que vocês tanto devastaram, o Brasil que vocês tanto reprimiram, silenciaram e encarceraram tá mais vivo do que nunca. O mesmo povo que vocês tentaram dizimar, em cujas costas exaustas vocês ergueram suas fortunas imundas e que se recusou a morrer agora volta para se agigantar, para retomar o que sempre foi dele e para brilhar. E nós vamos torturar vocês com nossos beijos na boca, com nosso gozo, com nossas surubas, com nossa balbúrdia, com nossa imensa alegria, com nossas famílias inter-raciais de dois pais ou de duas mães.

Vocês, playboys cuzões, milicos de araque, pastores cagões, juízes bundões, vocês perderam, vocês dançaram. Vocês que nunca fizeram uma mulher gozar, vocês que se deleitam entre si em rodas de masturbações na sua micro-cultura toda cagada e homo-erotizada, vocês serão eliminados. Vocês que reservam apenas para outros homens toda a sua admiração, veneração, respeito, honra e fervor, e que de uma mulher esperam submissão, gentilezas e silêncios, vocês estão com os dias de dominação contados.

Vocês, seres humanos acovardados que se acobertam atrás de porretes e invejam nossa coragem, nossa ousadia, nossa infinita capacidade de manter a esperança viva mesmo diante de tanta violência e brutalidade, vocês passarão. Vocês que matam mulheres, que batem em mulheres, que tem medo e nojo de encarar uma buceta de frente, que desprezam tudo o que seja ligado ao feminino vão ser engolidos – e depois cuspidos – um a um, por todas nós.

Vocês ainda causarão estrago na saída porque tudo o que sabem fazer é destruir, silenciar e acumular, mas a guerra que vamos bravamente lutar vocês já perderam. Perderam para as bichas, para as sapas, para as negras, para os negros, para as trans, as trava, para as bi. Perderam para as aldeias, para as periferias e comunidades. Perderam para tudo o que vocês desprezam e abominam. Perderam, seus covardes de merda.

Te dedico, Fernanda Young, mulher que sabia fazer uso de um palavrão bem encaixado porque tinha consciência de que o único palavrão de verdade atende pelo nome de opressão.

18 pensamentos sobre “Nós vamos torturar vocês um beijo na boca por vez

  1. Como te acho fantástica, Milly!
    Tenho rezado muito por sua saúde, pq como Fernanda Young não conseguiu respirar esse clima de ódio e de barbárie, tenho medo que seu excesso se lucidez te deixe vulnerável ao surto de Brasilsite, doença transmitida pelo vírus Aedes Bolsonarus e que nos deixa alternando apatia e raiva profunda, febris, nauseados e insones.
    God Save My Queen!!!!

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    • Oi, Ana. Muito obrigada por me incluir na sua lista de reza. Reza mesmo porque estamos precisadas 😉
      Nem todas nós veremos o fim dessa luta, mas o resultado eu já sei: venceremos.
      Beijo ❤

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  2. Boa noite Milly, mesmo sendo representante do sexo masculino, me sinto também agredido por esses machões (todo machão tem problemas de armário) vomitando ofensas contra mulheres. Acho inadmissível qualquer agressão ao sexo feminino pelo simples fato que todos nós chegamos a este mundo através delas. Sempre digo a amigos(as) que se o universo tem um gênero, ele é feminino. Defendo minha mãe, minha namorada, minhas irmãs (não tenho irmãos), defendo amigas e defendo qualquer mulher que vejo sendo diminuída, desprezada, ofendida verbal ou fisicamente. Mulher para mim é algo sagrado que precisa ser cuidada e protegida. Abraços pra ti, amiga. LUIZ CARLOS GORNIACKSão Bernardo do Camp – SP

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    • Sei que há uma enorme boa intenção nas suas palavras, mas, preciso dizer algo importante: nós mulheres não precisamos sermos cuidadas e nem protegidas. O que exigimos é RESPEITO.

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  3. Que poder suas palavras, Milly!!! Lavou minha alma e me deu esperança de que breve sairemos dessas trevas. Abs

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  4. Oi, Milly. esses dias lendo teu texto sobre resistir com melodia, me lembrei do que disse um dia o poeta Felipe Leon: Irmão, tua é a fazenda, casa e a pistola/ Minha é a voz antiga da terra/ Tu podes ficar com tudo,tudo/ e me deixar nu e errante pelo mundo/Mas eu posso te deixar mudo, mudo./ E como vais recolher o trigo/ e alimentar fogo/ seu eu levo comigo a canção?

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